A narrativa em terceira pessoa é, por assim
dizer, mais fácil: o narrador pode
ser onisciente (conhecedor de todos os fatos), embora possa omitir algo para
manter o mistério da trama. Ele pode se afastar dos acontecimentos e narrar
tudo com a frieza de um espectador, mas também pode assumir a visão de alguns
dos personagens, entregando à narrativa as emoções deste. Enfim, é uma forma
narrativa que possui muitas liberdades e possibilidades.
Já a narração em primeira pessoa é
desafiadora. O narrador, sendo um dos personagens da história, não pode saber tudo. Ele não é onisciente, não é
conhecedor de todos os segredos, e caminha na escuridão, junto com o leitor.
Tornar uma narrativa em primeira pessoa verossímil é um desafio: o narrador não
pode ser extremamente atento a todos os detalhes, por que ser humano nenhum consegue
se prender a tudo em todos os momentos.
Temos o exemplo maravilhoso (que se tornou
referência para mim) de O Sol é paraTodos (Harper Lee, 1960). A narradora é a pequena Scout, uma garotinha que
nos apresenta os fatos de uma forma extremamente doce e encantadora, exatamente
como as crianças fazem ao contar histórias. Às vezes tagarela, às vezes
dispersa, mas sempre tocante. Conseguimos sentir claramente o que ela sente, e
enxergamos perfeitamente o mundo sob a ótica de uma criança.
Seguindo a tendência YA de criar histórias narradas por protagonistas adolescentes,
temos como exemplo Quem é você, Alasca?
e O Teorema Katherine (John Green, 2005 e 2006), que possuem
uma narrativa mediana. Não encanta, mas não incomoda muito (embora o primeiro
livro citado tenha um protagonista chatinho).
Quando passamos a livros como O Orfanatoda Srta. Peregrine para Crianças Peculiares (Ransom Riggs, 2011), os
problemas ficam maiores: o autor não tem muito talento para conduzir a
narrativa em terceira pessoa, pois o protagonista Jacob não consegue sempre
soar natural: expositivo ao extremo, em alguns momentos, detalhista demais, em
outros – não parece um ser humano real.
Espero que essa tendência da obrigatoriedade de se narrar uma
história em primeira pessoa acabe o mais rápido possível. Criar uma boa
narrativa em primeira pessoa não é para qualquer um; alguns erram
desastrosamente na tentativa – vide o péssimo Cinquenta Tons de Cinza (E. L. James, 2011), que é um dos poucos
livros que conseguiu, de fato, me irritar. Alguns dominam bem a arte (como Fernando
Sabino e seu belo O Menino no Espelho,
de 1982). Os outros – oxalá! – deveriam se contentar em fazer aquilo que
conseguem, sob a pena de soarem ridículos.
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