Diversas
vezes eu me pego perguntando por que determinada música faz sucesso, sendo tão
claramente ruim, sem qualidade, de baixo nível. O mesmo acontece também
para certos filmes bem sucedidos: mal dirigidos, mal roteirizados, mal atuados.
Por que tais produtos de baixa qualidade atingem tanto sucesso? Muitas podem
ser as teorias para responder essa questão. Aqui, não tento responder a essa pergunta,
apenas trago um exemplar dessa tendência no mundo da literatura: o patético Cinquenta
Tons de Cinza (E. L. James, 2011).
Anastasia
Steele é uma jovem desastrada que tem uma escassa experiência em
relacionamentos amorosos, até que conhece o multimilionário sedutor Christian
Grey e se relaciona com ele. Logo, porém, ela descobre o lado BDSM de seu novo
amor, e se coloca diante de um dilema: prosseguir com o romance, ou deixá-lo de
lado?
Bem, por
onde começar? A narrativa do livro é patética – repetitiva, com um vocabulário
pobre e repleta de descrições vergonhas. Perto de Cinquenta Tons de Cinza,
O Orfanato da Srta. Peregrine (Ransom Riggs, 2011) se torna O Sol épara Todos (Harper Lee, 1960), em matéria de narração em primeira pessoa. O
livro é arrastado ao extremo, e absolutamente NADA de empolgante acontece ao
longo da história. Eu não estou exagerando: aqui não existe uma estrutura
típica de três atos (apresentação dos personagens, estabelecimento da trama,
resolução). Há apenas uma sucessão de situações fastidiosas, sem importância
alguma e que impedem a trama de decolar – formaturas, jantares, compras, etc.
Os
personagens do livro são sofríveis. Anastasia Steele é insegura a ponto de ser
insultante às mulheres reais; Christian Grey é antipático e inverossímil; José,
Kate, Taylor e outros não tem uma função bem definida na trama e somem e
reaparecerem sem acrescentar muita coisa. Porém, me questionando a respeito de
qual dos insuportáveis personagens do livro é mais detestável, cheguei à
conclusão de que é a tal deusa interior, que fica sambando, dançando
merengue com passos de salsa e orgulhosa pelo bom desempenho de Anastasia no
ato de engolir sêmen.
O livro é
o extremo oposto de O Retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde, 1890).
Enquanto aquele é o livro – dos que li até hoje – com a maior concentração de
boas frases por página, este Cinquenta Tons de Cinza é o que possui a
maior quantidade de frases imbecis por parágrafo. As comparações da narradora são
ridículas, as citações são repetitivas (Ícaro, Tess of the d’Urbervilles, etc),
a descrição de momentos e emoções é completamente piegas. Brindo-vos com
algumas dessas maravilhosas frases:
“Sua voz
é morna e rouca, como calda de caramelo derretido em chocolate escuro… ou algo
assim.”
“Eu sinto
a cor em meu rosto subindo novamente. Eu devo estar da cor do Manifesto
Comunista.”
“Davi de
Michelangelo não e nada comparado a ele.”
(Vale
ressaltar que a autora ainda comete a atrocidade de relembrar algumas
frases ao longo do livro, nos fazendo lê-las duas vezes.)
Claro, o
livro se vende por seu teor sexual e por seu conteúdo BDSM, sendo um objeto de
curiosidade do público. De qualquer forma, deixando de lado toda a questão
moral e me focando apenas em aspectos técnicos: as cenas de sexo são
chaaaaatas. Logo elas se tornam repetitivas e entediantes, como todo o restante
do livro – o que mostra, claramente, que se trata de um sério problema de
escrita.
Sobre o
relacionamento dos personagens principais. Qual é o mérito de Anastasia em se
apaixonar por um cara que tem todas as qualidades possíveis (milionário,
bonito, culto, com uma garagem cheia de Audis, um helicóptero e um jato
particulares, pianista...)? Por outro lado, que motivo levou esse homem
aparentemente quase perfeito a se envolver com uma garota sem nenhum
atrativo especial? Em que momento o livro nos faz acreditar que ela possui
reais motivos (não apenas por interesse) para aceitar todas as bizarrices que
ele revela logo nos primeiros momentos? As famílias da história não tem
absolutamente nenhum problema? São todos pais, mães e irmãos que vivem
felizes?
Cinquenta
Tons de Cinza é um
livro bobo, pueril, mal escrito e com uma trama sofrível. Os personagens são
absolutamente descartáveis e o romance principal não convence, sendo
completamente inverossímil. O ritmo é arrastado ao extremo, e suas mais de 400
páginas demoram uma eternidade para serem superadas. Cinquenta Tons de Cinza
é um livro abominável, e me fez lamentar cada segundo que investi em sua
leitura.
Nota: ✩
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