Quando
todos se tornam iguais, quando a individualidade morre e já não há mais espaço
para o livre-pensamento e o questionamento, o sistema vence o indivíduo. Quando
a liberdade é sacrificada e a plena felicidade é desejada – até mesmo
obrigatória! – mesmo que isso represente o fim do pensamento autônomo dos
humanos, o sistema vence o indivíduo. E é sobre a destruição da individualidade
e a padronização da sociedade que trata o brilhante Admirável Mundo Novo
(Aldous Huxley, 1932).
No ano de
632 d.F. (depois de Ford), a sociedade humana é composta por “castas”, criadas por
meio da manipulação genética realizada em laboratório. Através de verdadeiras
linhas de montagem, os seres humanos são cultivados em tubos de ensaio, e são
condicionados, durante anos, a acreditar sempre nas mesmas verdades. Nesse novo
Mundo, liberdade e felicidade não podem conviver adequadamente.
Já falei
outras vezes sobre distopias (possivelmente, esse é meu estilo literário
favorito). Seja em A Revolução dos Bichos ou em 1984 (ambas as
obras de George Orwell, 1945 e 1949, respectivamente), temos uma crítica
velada ao sistema da época do autor – que costuma persistir ainda por várias
décadas. Em Admirável Mundo Novo, segue-se o mesmo padrão. Aqui, não se
pretende prever a tecnologia do futuro, nem “profetizar” quais serão as grandes
descobertas científicas da humanidade. O que o autor pretende é alertar a
respeito do avanço de sistemas políticos que, pregando o bem-estar social e a
solução de grandes problemas da humanidade (o que é retratado como a plena
felicidade no livro), acabam por escravizar lentamente os
indivíduos.
A
narrativa de Huxley (frenética, em alguns pontos, intercalando cenas envolvendo
vários personagens) nos coloca a par da real situação do mundo 600 anos no
futuro: não há mais identidade, não há mais individualidade. Os seres humanos
são criados em laboratório, divididos em “castas”, e de lá já saem com o
cérebro condicionado para uma vida sem questionamentos, reféns de um futuro pré-determinado:
irão cumprir, até o fim de suas vidas, o papel para o qual foram destinados,
ainda quando estavam dentro dos chamados “bocais”.
E por que
os seres humanos não se revoltam contra esse rígido sistema? Além dos anos de condicionamento
a que são submetidos – na infância e na adolescência – existe ainda o soma,
uma droga ingerida através de pílulas, que “anestesia” o cérebro, tornando os
indivíduos dóceis e desestimulando-os a se revoltarem. (Aliás, ao terminar de
ler o livro, tive a impressão de que os irmãos Wachowski beberam em sua fonte
para compor o universo de Matrix – seres humanos cultivados ainda como
embriões, tendo seu cérebro “anestesiado” por um processo que os mergulha numa
confortável fantasia.)
Enquanto
em 1984 a torpeza do sistema nós é apresentada aos poucos, na medida em
que a história avança, em Admirável Mundo Novo o cruel sistema que rege
o mundo é descortinado diante de nossos olhos já nos primeiros capítulos. O
enigmático Mustafá Mond, um dos dez administradores mundiais, nos
explica, em pessoa, parte do processo de criação de um ser humano, bem como a filosofia
ali envolvida. O livro ainda nos brinda, em determinado momento, com a
apresentação de outras camadas desse imponente membro da sociedade do mundo
novo.
Toda
mudança é uma ameaça à estabilidade. Vários personagens nos são apresentados, com seus
dramas, crises e – no caso de alguns – questionamentos. Bernard, Helmholtz,
Lenina, John (o Selvagem), Linda... cada um possui o seu momento, o seu
desenvolvimento, o seu peso para a trama. No fim, o sistema é mais forte, e
acaba “engolindo” cada um daqueles que se apresentam como um ponto fora da
curva.
Admirável
Mundo Novo é um livro
brilhante, inquietante, cruel, que nos leva a pensar no perigo que reside no
ato de cercear a liberdade dos indivíduos. Embora eu ainda considere 1984 a melhor distopia de todos os tempos, Admirável Mundo Novo é um clássico
extremamente relevante e que deve ser lido por todos. O livro é (e sempre será)
um convite a pensarmos por nós mesmos, a romper com os condicionamentos e a
nunca aceitarmos ser classificados em alguma “casta”.
Nota: ✩✩✩✩✩
Gabriel, eu adorei a sua crítica e o blog em geral, você escreve muito bem e soube como relevar os pontos importantes da obra! Ainda não terminei de ler o livro, mas estou achando ótimo.
ResponderExcluirObrigado! Tenho certeza de que vai achar o restante do livro ótimo também.
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